A Venezuela é o país latino-americano
que teve os maiores aumentos em matéria de fome e desnutrição no biênio
2016-2018. É o que indica o novo estudo apresentado na última semana pela
Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO)
juntamente com o Programa Mundial de Alimentos e a Organização Pan-Americana da
Saúde.
A Bolívia e a Argentina são os outros
dois países que acompanham a Venezuela neste quadro, que integra o tóxico
coquetel de subnutrição, má nutrição e obesidade. A República Bolivariana
responde por 1,3 milhão do total de 1,5 milhão de pessoas com novos problemas
estruturais em sua ingestão cotidiana de calorias. O estudo mostra que, em
termos gerais, os quadros de desnutrição aumentaram em média de 5% a 6% da
população dos países latino-americanos e caribenhos no período de 2015 a 2018.
Haiti, Antígua e Barbuda, Bolívia e Granada são as nações com maiores níveis de
desnutrição em relação ao total de suas populações. Brasil, Cuba e Uruguai são
os três países da região com porcentagens de fome abaixo de 2,5% de sua
população.
O novo relatório da FAO sobre a
segurança alimentar na Venezuela reflete um dos muitos paradoxos da crise
econômica atravessada pelo país caribenho. Em 2012, com Hugo Chávez ainda vivo,
a mesma organização havia feito um reconhecimento público ao Governo
venezuelano por seus avanços na quantidade e na qualidade do consumo diário de
calorias. A instituição parabenizava a Venezuela “por ter alcançado
antecipadamente a meta número um do Objetivo de Desenvolvimento do Milênio:
reduzir pela metade a proporção de pessoas que sofrem de fome em 2015”.
Durante aquele 2012 em que Chávez foi
reeleito, o Governo bolivariano orquestrou com o certificado da FAO uma
poderosa campanha de propaganda para alcançar seus objetivos. Na época, a
economia venezuelana continuava crescendo na esteira dos altos preços do
petróleo, a inflação não chegava aos brutais índices de hoje e o Governo,
diante dos imperativos eleitorais, havia elaborado um ambicioso sistema de
distribuição de alimentos baratos, expressado sobretudo nos estatais Mercados
de Alimentos (Mercal) e nas Casas de Alimentação. Durante um tempo, ambos os
programas tiveram uma inquestionável penetração nas zonas populares e
empobrecidas do país.
O período compreendido entre a doença e
a morte de Chávez e a chegada ao poder de Nicolás Maduro veio acompanhado de
uma grave crise cambial que gerou uma sangria de divisas no país. Os programas
sociais do Mercal declinaram e desapareceram entre as propinas e a corrupção
desenfreada. Muitos alimentos importados começaram a apodrecer na alfândega e
nos portos. A decisão de Maduro de radicalizar o modelo político chavista
produziu a histórica derrubada da economia venezuelana, que se traduziu numa
contração de 44% do PIB entre 2014 e 2018. Algumas organizações especializadas,
como a Fundação Bengoa e o Centro de Estudos do Desenvolvimento da Universidade
Central da Venezuela, questionavam havia tempo o pronunciamento da FAO,
alertando quanto à piora violenta das condições sociais da população e ao
crescimento da fome no país – um dos aspectos sobre os quais o chavismo considera
que tem conquistas concretas para mostrar. Nem os líderes do governista Partido
Socialista Unido da Venezuela nem o gabinete de Maduro se pronunciaram sobre o
novo relatório da FAO.
A desnutrição e a fome, embora jamais
tenham deixado de ser um problema que gera inquietudes e polêmicas,
historicamente não haviam ocupado um lugar de destaque no radar das
preocupações imediatas do venezuelano médio, segundo as pesquisas de opinião.
Nos melhores tempos de Chávez, esse ponto inclusive tinha desaparecido da lista
de preocupações imediatas dos habitantes, afetados tradicionalmente por outros
assuntos, como a segurança cidadã, os serviços públicos e o desemprego.
Hoje, a ingestão de alimentos, a
escassez de produtos e o aumento de preços estão no topo de todas as respostas
da população nas consultas feitas pelos institutos de pesquisa.
FONTE: El Pais
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